BURGHER KING LEAR - Festival de Almada

Teatro Municipal de Almada,
3ª feira, 10 de Julho, 22 horas.

Festival de Almada









“Burgher King Lear”por Ana Sofia Ribeiro
Era já tarde quando abriram o espaço para deixar entrar o público. Ali, na outra margem do Tejo, a noite estava quente e pronta para apresentar mais uma peça do Festival de Almada - Burgher King Lear. É a história de um pai e das suas três filhas. É a história de um homem que é rei e que sente cansado, velho. É a história de um homem que pede às suas filhas que lhe digam qual delas o ama mais e em troca da sua confissão dar-lhes-á um terço do seu reino.
Integrada no Festival de Almada, Burgher King Lear deliciou o público e O Amador esteve lá no passado dia 10 do mês corrente.
O rei pede às suas filhas que lhe digam qual delas o ama mais e “se as duas primeiras, movidas pela ambição, lhe oferecem uma definição canónica; a sua preferida não entra no jogo pois um tão cavado amor não é descritível”. A partir daí, a porta abre-se para a loucura, para a fragilidade, para a sobrevivência. Aborda-se, daí em diante, a temática do tempo e da metamorfose.
“O rei está louco! O rei não sabe para onde nos leva! Cruéis tempos se avizinham! Houve um tempo em que o rei matava todos com a sua espada! Mas agora o rei não tem força para a levantar! O rei está velho! O rei vai morrer! O rei não quer morrer! Que o rei morra depressa! O rei partiu a sua coroa ao meio e abandonou o castelo! O rei está louco! O rei não sabe para onde vai! O rei não quer ser rei! Cruéis tempos se avizinham! O rei quer morrer!”.
O texto original é de Shakespeare. Contudo, João Garcia Miguel traduziu-o e adaptou-o, criando uma versão bilingue para dois actores, um australiano e um português. As falas sucedem-se continuamente em português e em inglês e as legendas ao longo da peça são uma constante, permitindo que a imaginação não se disperse tanto.Anton Skrzypiciel e Miguel Borges interpretam as personagens e, enquanto o primeiro representa o rei que vai endoidecendo, o segundo deixa que a sua versatilidade domine o público, representando inúmeras personagens - as filhas do rei, o cão, o bobo da corte, etc.
O cenário é simplista, baseado em cadeiras metálicas que vão compondo o espaço adequado à cena respectiva e apenas um objecto alto e rectangular se destaca dos demais. Representava, entre outras coisas, Cordélia, a filha preferida do rei.




O título, esse, é puro trocadilho. Se, por um lado, e à primeira vista, o título sugere imediatamente a palavra hambúrguer, por outro, é literalmente sinónimo da palavra “cidadão” e João Garcia Miguel explica exactamente esta dualidade - “A alteração do título tem uma dupla intenção irónica e crítica, porque manipulamos e transformamos o texto de Shakespeare como se fosse um hambúrguer; em simultâneo, trabalhamos a dimensão de homem comum e cidadão que o rei apresenta, o abandono das suas responsabilidades de governação e a relação com as suas filhas”.
Ali, no Palco Grande, montado propositadamente na Escola D. António da Costa, o Festival ganha todo o espiríto digno desse nome, evidenciando algumas das peças que marcam o mundo do teatro.